Ninguém nunca lhe pagou nada. Nenhuma recompensa foi lhe oferecida. Nem moedas, nem promoção a cargos superiores, muito menos o reconhecimento que sempre lhe foi tão digno.
Preferiu o silêncio. Uma vida oculta, para que eu pudesse crescer. Preferiu as dores que eu sempre lhe causei, e escolheu se abster, para que eu pudesse ter.
Doutora em conhecimentos de vida e na cura das minhas feridas, sempre soube como ninguém resolver as complicadas equações matemáticas dos meus problemas e quando minhas dores eram inevitáveis, havia certeza de cura num cuidado que milagrosamente regenerava um joelho arranhado, um osso quebrado, ou até mesmo um coração dilacerado.
Sempre foi o conselho certo nas minhas horas mais incertas. A coragem que eu precisava para tentar mais uma vez, e descobrir que onde eu enxergava um limite, nada mais havia que um pequeno obstáculo.
Você sempre teve a mesma idade que eu... Foi bebê para que eu pudesse brincar com aquela colherzinha que você transformava num dos mais belos aviões que já conheci... Foi criança para que a gente aprendesse a caminhar juntos... Foi jovem para que eu pudesse chorar ao seu ombro, e o abraço que as vezes precisei para me esconder do resto do mundo.
Você deu o primeiro passo da minha vida, e me ensinou que para realizar até mesmo os sonhos mais impossíveis, é preciso continuar caminhando.
Algumas vezes, cheguei até mesmo imaginar que havia esquecido de mim... Mas reconheço que sua sabedoria precisou deixar eu me sentir livre para que eu pudesse descobrir o amargor de uma vida tão diferente do seu colo consolador.
Me repreendeu severamente, quando eu jurava ter certeza das minhas descobertas desordenadas. Suas palavras fugiam quando eu precisava que você concordasse com meus desejos tão cheios de bajulos. E como meus melhores amigos, era você mesma quem me procurava para explicar a complexa relação entre o querer e o poder.
Eu sempre lhe vi tão cheia de disposição enquanto nos divertíamos, e a nossa idade avançava. Porém, certo dia, vi aquela menina que cresceu junto de mim, chorar pela primeira vez. Parecia que não era real... Eu nunca havia lhe visto chorar antes.
Mas para o meu espanto, você estava lá, num cantinho do sofá da sala, sozinha, banhada em lágrimas.
Fiquei tão assustado quanto você, que secava suas lágrimas como se aquilo não fizesse parte de alguém que sempre me pareceu tão inabalável.
Não tive coragem de sentar ao seu lado para entender os motivos que te levaram ao pranto. Saí, dei de costas, e quando estive maduro o suficiente, conduziu-me aos caminhos que lhe faziam chorar naquele dia que eu já nem lembrava mais.
Nossa viagem durou apenas um instante, apenas o momento de você me dizer em poucas palavras: Filho, eu te amo!
E foi assim que descobri que você também sentiu toda a felicidade que eu sentia enquanto me divertia. Mas com um porem a mais... Enquanto eu tinha tudo nas mãos, você se privava de todas as suas coisas para me fazer feliz. E então, aquelas lágrimas que aconteciam todas as vezes que se sentia desolada pelo pouco que sempre tivemos.
Mas hoje, quero que saibas que reconheço tudo o que fizestes por mim. E se o pouco que me ofereceste foi o suficiente para te levar às lágrimas, reconheças que tê-la junto de mim, sempre foi o motivo pelo qual eu estive feliz.
(Gentil Buratti Neto)